sábado, 28 de setembro de 2013


QUANDO


Quando todos falarem de paz
ainda que não completamente sinceros .
Quando as nossas armas forem
inermes
como os ramos de flores
e os vermes
que nelas moram .
Quando se nem ouvir essa palavra 
guerra .
Quando só de pensar em matar
nos suba à cara o rubor da vergonha.
Quando olharmos o outro
e no outro virmos
escarrada
a nossa fronha .
Quando sairmos à rua
e nos atrapalharmos
porque conhecemos 
todos 
o todos querem 
cumprimentar-nos.
Quando deixarmos nas casas as portas abertas
porque tudo é de todos
e já não há  coisas secretas .
Quando escrevermos de nós
e revelarmos
as partes mais íntimas
para todos estudarmos
e quiçá evitarmos
se for de evitar
ou imitarmos
se for de imitar.
Quando olharmos uma criança
e soubermos reprimir-nos
para que não aprenda 
connosco
a desesperança
nem a arrogância.
Quando olharmos uma mulher
que ao nosso lado caminha
e pudermos ver que  é mais alta
ou talvez mais pequenininha
mas que sempre traz dentro dela
quer queiramos quer não
o nosso provir
-quer ela queira ou não- .
Quando à noitinha 
formos para a cama
ansiosos de sonhar
porque não há perigo de
o lobo mau
ali estar .

Quando isso acontecer

então ó Homem
alegra-te e festeja.

Estás prestes a nascer .

Geraldes de Carvalho


terça-feira, 17 de setembro de 2013



Há mar e mar

Há mar e mar.
O mar que me invade 
e assola.
O mar que me afaga.
O mar que me enrola.

Há mar e mar.
O mar dos segredos
das longas viagens
-que foram tamanhas-
para terras
 -terras dos degredos-
que foram estranhas . 

Há mar e mar
o mar dos corais
dos longos abismos
e dos areais

Há mar e mar
dos monstros marinhos
que em grutas sombrias
ignotas 
ignotos
navegam sozinhos .

Há mar e mar
dos gozos ao sol
das ondas tamanhas
o mar da aventura
Mar do sofrimento
intenso
o mar da tortura.

Há mar e mar
o mar que é só água
mas onde se morre
de sede 
de saudade 
e mágoa.

Há mar e há mar
Quem o queira ouvir
abra a boca toda
para o engolir.

Engula as tormentas
os barcos parados
os monstros marinhos
o sol a areia
loucuras
pecados .
Os peixes nadantes
os bichos pequenos  
viscosos
rastejantes
escuros
e outros
de cores brilhantes 
de luzes que piscam
e choques  eléctricos
paralisantes .

Afunde-se nele
com a boca aberta
e engula essa vida
que a doze mil metros
pulula
secreta.

E se ainda assim
amar esse mar
amar este mar
ajunte-se a mim .

Geraldes de Carvalho