sábado, 30 de novembro de 2013





Tinha uma marca na cara...




Tinha uma marca na cara
e por ela o conheci
porque era uma marca igual 
a outra, que outrora eu vi.
Uma marca singular 
como ela não há igual
para quem a saiba ver
por inteiro,
ao natural.
Estava cravada na cara 
que eu via no espelho.
Não era uma marca bela
pelo contrário é que era.
Por isso arrancá-la eu queria
mas não podia.
Não queria vê-la 
não queria
mas não podia não vê-la,

Era uma marca sombria
que toda a cara cobria
de maneira
que a cara já se não via,
só a marca
que eu conhecia.
E nem sabia 
se a cara ainda existia
de maneira
que o melhor era amá-la,
àquela marca
que antes me aborrecia.
Dei-me a amá-la por isso
e hoje não sei se viveria
sem ela.
Ela
esta marca bela
que eu vejo
no meu espelho.

  
Geraldes de Carvalho




quarta-feira, 27 de novembro de 2013


Nem sei

Sonho sou eu
mas não caí,
não,
do céu.
Construí-me
sozinho
E estou aqui
vizinho
de um deus
que também eu
criei.
Sou como um sonho.
Sozinho
sonho.
E,
por isso,
não sei.
Nem sei...

Geraldes de Carvalho

segunda-feira, 11 de novembro de 2013



Persiana - terá graça ? Pouca

Persiana vem da Pérsia
onde havia imperador
que se cultivava
e mimava ...
Não havia ali inércia
na Pérsia, não
não senhor.
Até que Ciro ou Dario
-passando pelo Cambizes-
sentindo no rabo ardor
-mais ardeu ao Artaxerxes-
inventou a persiana
que não rima
-o que é pena-
mas o livrou do calor.

Geraldes de Carvalho


domingo, 10 de novembro de 2013

CINZENTO

Cinzento ... Estava tudo cinzento .
Eu próprio andava por ali à deriva procurando não me confundir com o cinzento da rua
Inútil procura porque, cada vez mais, já não conseguia distinguir-me daquele cinzento universal
Intentei lembrar-me do azul e mesmo do vermelho e vi alguns vislumbres antes de se apagar tudo naquele cinzento total.
Talvez no mapa tudo seja diferente.
Há a África que é da cor da areia ao norte mas verde florestal a sul. A Europa que tem a cor das suas gentes, brancas como se julgam . A Ásia que tem tantas e diversas cores como as suas montanhas ruínas e falésias e a América que ao norte é esverdeada da cor do dólar e ao sul é da cor da Ásia: Sem cor, das muitas cores que tem .
-Que horrível simplificação; simplificação cinzenta, é- .
Voltei-me novamente para mim.
Limpei os olhos até que me doessem e vi, mais uma vez, um vislumbre claro : Havia casas de diversas cores e lá ao fundo uma praça muito colorida mas tudo começou de novo a acizentar-se .
Que aflição deus meu, exclamei mas a minha exclamação caiu, sem eco, no cinzento.
Resisti a pedir qualquer ajuda . O cinzento era meu e pertencia-me a mim ultrapassá-lo . Mas uma alma cinzenta e caridosa aproximou-se e disse : O Sr. anda por aí aos tombos . Precisará de ajuda?
Bom, bom . Ajuda não preciso, não . Apenas vejo tudo cinzento.
Curioso meu amigo . Esta tarde está até muito colorida . Já experimentou ver se vê . Quero dizer : ver os seus olhos?
Não, eu não tinha experimentado.
Entrei na primeira loja que encontrei aberta e disse ao caixeiro : Estou a ver muito mal.
Será dos dois olhos, perguntou .
Sim creio que sim .
E já alguma vez mudou os seus olhos ?
Ó não . Nasci com estes mesmo .
Que imprudência meu amigo, Na sua idade...Experimente estes, por favor .
E assim fiz . Pus de parte os velhos e experimentei os que o caixeiro me estendeu . Via maravilhosamente . O cinzento desaparecera .
Ó, ó . Que bom. Poderei levar uns azuis ? Sempre desejei ter uns olhos azuis .
É claro meu amigo. Da cor que quiser . Azuis dirão muito bem com o seu cabelo branco .
E quanto tempo vão durar estes olhos ?
São os de longa duração ...
Mas durarão até ao próximo milénio ?
Isso não posso garantir .
Dê-me então outro par . E, olhe, verdes . Sempre gostei muito do verde . Só cinzento é que não.
Aqui estão . Mais alguma coisa ?
Não, hoje fica por aqui . Quanto é ?

Geraldes de Carvalho

sábado, 9 de novembro de 2013


É por ti que eu escrevo ?

Não é por ti que escrevo
não .
Tu és o meu papiro
e a tinta com que nele gravo .
O cálamo
que os meus dedos
amorosamente abraçam
tu és .
Na verdade
meu amor
é A ti que eu escrevo .
Não só as palavras
mas os gestos
as ideias
e o sentir
tu és .
Porque sem ti
amor
eu cairia
aos trambolhões
na idade primeva
em que escrita
não havia
era…
Porque só tu
és tu
tu és.

Geraldes de Carvalho

quinta-feira, 7 de novembro de 2013


Mãe, mamã, mamãe, mãezinha



Ãe, ãe, ãe 
minha mamã  
dói .

Não é aqui na mão
não, não .

No pé também não é
não 
não é
não.

Nos braços
e nas pernas
também me não dói
não .

Barriga fica perto
sinto aqui um aperto
mas dor não tenho não .

Minha dor
mamã
aquela que me dói
e a que não tenho mão
é aqui
aqui no coração
que vive agrilhoado
coitado
na minha cabeça. 

Ó 
esta cabeça
que
por mais que eu lhe peça,
não o larga 
não .

Mãe
mamã
mamãe
mãezinha .

Geraldes de Carvalho