segunda-feira, 26 de maio de 2014




Deixa-me amar a outra 
mulher !
Que
na outra
só te amarei a ti.

Geraldes de Carvalho

sexta-feira, 16 de maio de 2014



 Vem, ó vem .

Vem, vem, vem
minha senhora poesia.
Vem
estou aqui
nu
pronto para te receber
e celebrar contigo
os secretos mistérios
da desencarnação.
Vem, vem
minha querida
ninguém perturbará
os sonhos
que são nossos
e temos de sonhar.
Vem vem
dormir
nos meus braços
ouvir o doce acalanto
que desde o princípio do tempo
te estou a sussurrar,
no vento.
Vem, vem, vem
meu amor
meu coração te espera
com doces palpitações
que se ouvem
em todo o universo,
cá perto
lá longe.
Quero sentir-te
aqui
junto do peito
aninhada
como se fosses
a lobazinha
que é minha
porque me está destinada.
Vem e toma-me
sou teu
já não sou meu
já não sou eu.

Geraldes de Carvalho

segunda-feira, 5 de maio de 2014


45- Espasmo ôntico

Como um tal
meu pensamento tremula
quase desmaia
e eu aqui sem saber.
Óh, quem dera não o ter!

Melhor fora
ser saudável
e gostar do futebol
ir às festas e bailar
que, como um louco, pensar
em coisas que nem eu sei
me deixam assim parado
como doente espasmado
a pensar se existo ou não
se sou homem se sou cão.


Cão eu deveria ser
gosto dos ossos que tem 
meu pensamento
meus dentes são fortes são
cadelinhas são meu fito...
Cadelinhas são meu rito.

Podem os homens morrer
nas guerras que organizam
e as crianças padecer
cheias de fome nas pontes
-quando há rio...-
Eu cá por mim não me importo
enquanto estou a sofrer
enquanto estou a gozar
como um bônzio
neste meu espasmo ôntico.

Que merda, ein!

Geraldes de Carvalho

sexta-feira, 2 de maio de 2014


Sou eu. Assim, assim...

Sou eu
o anjo ou o demónio
ou a serpente
que a Eva ofereceu
-naquele dia de azar-
o fruto da ciência
e por isso,
ou outra coisa igual,
o tal deus
me castigar.

E não é erro, não
porque deus 
não tem tempo
e é
por isso,
o verbo inconjugado  
no infinito eterno... 



Que homem, esse deus!
Certamente queria
ficar com todo o saber
para vos-nos manobrar
como, se, lhe apetecer.



E também
me é difícil entender
porque é que esse tal deus
me castigou
se conhecia
 que o homem
apenas mastigou o fruto que,
 de verde, 
mal sabia
-e se bem bonito parecia
era, afinal, bichado-
e  o cuspiu no rosto da mulher.


Pobre mulher cuspida
por dar a maçã e a vida .


Apenas engoliu,
o homem bruto,
um pouco desse sumo
que lhe ficou na boca
da maçã mastigada
que nascera na árvore
mal formada
desse mundo
que o tal deus criara.


E o pior foi que com esse sumo
ainda engoliu
-e é com isso que me nutro-
o bicho que ali vivia
e a viver continuou
lá -cá- dentro
do homem bruto.


E foi assim,
posso afirmar,
que foi criado o mundo
para o homem habitar.

Mundo horroroso enfim
em que todos os animais
se comem uns aos outros
e também a mim
assim, assim...

Geraldes de Carvalho

Ps. :
Melhor fora talvez
que a deus comessem
e acabassem
com a criação
de vez.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Antigamente

Antigamente é que eu pensava claro.
As palavras acorriam à minha mente
sem nelas parecer eu ter pensado
pegavam as ideias que ali estavam
à sua disposição
compunham um poema
uma canção
e nada parecia complicado .
Mas agora, senhores
as palavras se embrulham
manejam um sentido que eu não quero
e se me impõem como um patrão bruto
um senhor fero
que não se importa de voltar atrás
desdizendo o que disse
deixando-me devoluto de razão
envergonhado como um mau rapaz .
E então se ri
este ser indiscreto
que às vezes pareço eu
e outras vezes
sou
ainda eu
mas indirecto.

Geraldes de Carvalho

sexta-feira, 4 de abril de 2014


Que risa...

Que riso homem 
-que risa, hombre-

Não retrocedas os lábios
velho.
Anda mas sempre em frente
com o sorriso na boca
toda.
Ou
melhor
antes um riso franco
que nos revele quem és
que é para isso que serve o riso.
O riso que torna humana
a tua face .
O riso que trasborda
da tua face .
O riso que trasborda
de ti.


Ri que o mundo está
cheio de desrazões para rir.

Ele é a seriedade dos doutos, loucos
malucos.
Ele é a imbecilidade dos que mandam
desmandam e se riem também
com risos ocos.
Ele é a nossa seriedade
perante
tanta
imbecilidade .
Ou
talvez
a nossa imbecilidade
perante
tanta
seriedade.

Ri.
Ri tanto
até que fiques sério
para sempre
de tanto rir.

 Geraldes de Carvalho

quarta-feira, 19 de março de 2014





Porque escrevo ?

Eu escrevo porque sou
escrevo porque estou vivo .
Eu escrevo porque olho
e o que olho revivo .

Eu escrevo porque falo
e este meu linguajar
é como garatujar.

Escrevo pra te falar
escrevo pra te esquecer
escrevo pra te lembrar.

Escrevo e a escrever me perco
escrevo e a escrever me encontro
escrevendo eu sou incerto
por isso é nu que me escondo .

-Também me escondo a escrever
que há coisas que ninguém mostra
mas se tu souberes ler
descobrir-me-ás a marosca .-

Mas se queres que te diga
de verdade e sem rebuços
por que é que escrevo
não sei .
E digo isto sem rimar
-parece mais verdadeiro-.

Geraldes de Carvalho