quinta-feira, 30 de outubro de 2014


 Era uma casa..
 
Era uma casa
muito engraçada
não tinha teto
não tinha nada ."
(Vinicius de Moraes )
 
 
 
Era o recôndito
desta memória
não tem não tem
não tem história .
 
Eu não vivia
lá, não vivia
mas roncos, ais
ali ouvia.
 
Não tinha porta
não tinha escada
mas eu subia
até à mansarda.
 
E lá no cimo
nada se via
nada sentia
nada cheirava.
 
Mas eu ficava
ali parado
como quem estava
embasbacado .
 
Estava deserta
e toda aberta
abandonada
não era nada.
 
Mas eu falava
lá com os meus
que já se foram
falar com deus .
 
E deus não sou
não vivo além .
 
Só nesta casa
casa encantada
que não é nada
é que eu sou deus
até
amém.
 
Geraldes de Carva

quarta-feira, 10 de setembro de 2014



 Má !...

Não haverá sentidos
mas castigos
para as palavras
sem juízo
que não vêem
aonde põem os pés !

Ficas avisada ,
minha querida
palavra má.

Má !

                                                  Geraldes de Carvalho

terça-feira, 9 de setembro de 2014



 O que eu sou. Assim, assim

 
O que eu sou
não era há pouco
porque o só de pensar nisso
me transformou e deixou
como outro que eu não era
nem queria nunca ser,
ou quisera...

Dizei-me por isso agora
como vou poder viver
sem ser o que era há pouco
mas tendo disso o saber
como se fora
se fora
o meu neto
o meu avô
e, enfim
sabendo todo o futuro
e o passado também
como se a minha ascendência
e a minha descendência
vivessem dentro de mim
e eu fosse outro mas o mesmo
assim, assim...

Geraldes de Carvalho

segunda-feira, 26 de maio de 2014

sexta-feira, 16 de maio de 2014



 Vem, ó vem .

Vem, vem, vem
minha senhora poesia.
Vem
estou aqui
nu
pronto para te receber
e celebrar contigo
os secretos mistérios
da desencarnação.
Vem, vem
minha querida
ninguém perturbará
os sonhos
que são nossos
e temos de sonhar.
Vem vem
dormir
nos meus braços
ouvir o doce acalanto
que desde o princípio do tempo
te estou a sussurrar,
no vento.
Vem, vem, vem
meu amor
meu coração te espera
com doces palpitações
que se ouvem
em todo o universo,
cá perto
lá longe.
Quero sentir-te
aqui
junto do peito
aninhada
como se fosses
a lobazinha
que é minha
porque me está destinada.
Vem e toma-me
sou teu
já não sou meu
já não sou eu.

Geraldes de Carvalho

segunda-feira, 5 de maio de 2014


45- Espasmo ôntico

Como um tal
meu pensamento tremula
quase desmaia
e eu aqui sem saber.
Óh, quem dera não o ter!

Melhor fora
ser saudável
e gostar do futebol
ir às festas e bailar
que, como um louco, pensar
em coisas que nem eu sei
me deixam assim parado
como doente espasmado
a pensar se existo ou não
se sou homem se sou cão.


Cão eu deveria ser
gosto dos ossos que tem 
meu pensamento
meus dentes são fortes são
cadelinhas são meu fito...
Cadelinhas são meu rito.

Podem os homens morrer
nas guerras que organizam
e as crianças padecer
cheias de fome nas pontes
-quando há rio...-
Eu cá por mim não me importo
enquanto estou a sofrer
enquanto estou a gozar
como um bônzio
neste meu espasmo ôntico.

Que merda, ein!

Geraldes de Carvalho

sexta-feira, 2 de maio de 2014


Sou eu. Assim, assim...

Sou eu
o anjo ou o demónio
ou a serpente
que a Eva ofereceu
-naquele dia de azar-
o fruto da ciência
e por isso,
ou outra coisa igual,
o tal deus
me castigar.

E não é erro, não
porque deus 
não tem tempo
e é
por isso,
o verbo inconjugado  
no infinito eterno... 



Que homem, esse deus!
Certamente queria
ficar com todo o saber
para vos-nos manobrar
como, se, lhe apetecer.



E também
me é difícil entender
porque é que esse tal deus
me castigou
se conhecia
 que o homem
apenas mastigou o fruto que,
 de verde, 
mal sabia
-e se bem bonito parecia
era, afinal, bichado-
e  o cuspiu no rosto da mulher.


Pobre mulher cuspida
por dar a maçã e a vida .


Apenas engoliu,
o homem bruto,
um pouco desse sumo
que lhe ficou na boca
da maçã mastigada
que nascera na árvore
mal formada
desse mundo
que o tal deus criara.


E o pior foi que com esse sumo
ainda engoliu
-e é com isso que me nutro-
o bicho que ali vivia
e a viver continuou
lá -cá- dentro
do homem bruto.


E foi assim,
posso afirmar,
que foi criado o mundo
para o homem habitar.

Mundo horroroso enfim
em que todos os animais
se comem uns aos outros
e também a mim
assim, assim...

Geraldes de Carvalho

Ps. :
Melhor fora talvez
que a deus comessem
e acabassem
com a criação
de vez.